Era uma ligação do Governador ou trote? Essa questão foi um drama para um jovem Tenente que estava no exercício das funções de Oficial da Dia em um Quartel no sertão, em um domingo, durante uma campanha eleitoral muito disputada. É esse fato que aqui vamos relatar.
O respeito irrestrito aos superiores hierárquicos, que não pode ser confundido com subserviência, é um dos muitos valores absorvidos pelos militares durante a sua formação e que é cumprido com rigor durante suas atividades profissionais. A legislação penal militar e os regulamentos disciplinares tratam essa questão com bastante severidade. Com o passar do tempo o militar fica de tal forma condicionado a observar essa norma de conduta que desrespeitar ou tratar sem a devida atenção um superior hierárquico constitui um drama interior, independentemente da punição que lhe possa ser aplicada. Essa situação foi vivenciada por um jovem Tenente no fato que passamos a relatar.
- Alô. 3º Batalhão. Tenente Pereira, Oficial de dia, boa tarde.- Cadê Deuslírio? Perguntou o interlocutor, com ar autoritário e percebível aborrecimento.- Não está no Quartel, hoje não tem expediente. Respondeu Pereira.- Então cadê Luiz Ferreira? Perguntou o interlocutor em tom ainda mais autoritário.
Naquela época, alguns amigos do Comandante do Batalhão de vez em quanto ligavam para o quartel, e a título de brincadeira, se passavam por autoridades. O Tenente, que já sabia desses trotes, foi ficando chateado com a forma como estava sendo tratado, mas, inicialmente se conteve.
- O Major Luiz Ferreira também não está. Mas eu sou o Oficial de Dia. Se for problema do Quartel eu represento o Comandante na sua ausência.- Aqui é o Governador Clóvis Bezerra. E Tenente não representa nada. Não é coisa nenhuma. Quero falar com o Comandante ou com o Sub.O Tenente perdeu as estribeiras e certo que estava diante de um trote, respondeu:- Você não é Governador de pôra nenhuma e deixe de frescura.Disse isso e desligou o telefone.
Em seguida o Tenente se levantou, foi na geladeira, tomou água, voltou para a poltrona onde estava assistindo TV e começou a pensar sobre o telefonema. E se fosse realmente o Governador? A ligação não passaria antes por uma secretária ou um assessor? Bem se fosse um trote ou não, já não tinha mais o que fazer, concluiu Pereira. Mas, por mais que tentasse não conseguia se concentrar na televisão. As possíveis consequências daquele ato não paravam de ser imaginadas. Sindicância, IPM, prisão, transferência, tudo era possível. Esse martírioi durou quase uma hora. Absorto nesses pensamentos, a atenção de Pereira foi despertada pelo toque do telefone.
- Alô. Disse o angustiando Tenente, já sem ânimo para seguir o procedimento padrão no atendimento dessas ligações.- Aqui é o Coronel Talião. Quem fala?Eu bem que sabia, é o Comandante Geral que vai determinar meu recolhimento, pensou Pereira antes de responder.- Pois não Comandante. É o Tenente Pereira, Oficial de dia. Às suas ordens.- Pereira, Wilson Braga tá fazendo campanha em Piancó e chegaram-me denúncias de que tá havendo graves problemas de segurança pública por lá. Veja o que você pode fazer.- Comandante, posso ir pra lá agora mesmo com 30 recrutas que estão de plantão no Quartel. Inclusive tenho transporte pra isso. Pode deixar que eu resolvo isso agora mesmo.- Então vá lá, resolva e boa sorte. Disse Talião, e desligou.
Pereira esqueceu a ligação anterior, se dirigiu ao pátio do Batalhão, colocou a tropa em forma, embarcou, e partiu para Piancó em duas camionetes abarrotas de policiais. Uma parte estava armada de cassetete, e outra de fuzil. Todos com o uniforme azul petróleo, cinto de guarnição e capacete.
- Pereira, disse o Tenente Coronel Deuslirio, o Coronel Talião acabou de ligar e me mandou lhe chamar agora mesmo para, na presença dos Oficiais, elogiar o trabalho que você fez ontem em Olho d’Agua. Disse inclusive que toda comitiva de Wilson Braga ficou muito satisfeita com o serviço. Portanto, sinta-se elogiado. Pereira respirou aliviado,
Agora me explique o que foi feito, exigiu Deuslírio.