Nos cursos de formação dos policiais, sejam Civis, Militares, Federais ou Rodoviários, é dado muita ênfase aos aspectos legais que envolvem as atividades desses profissionais. Agir rigorosamente dentro da lei, é o princípio que norteia as ações desses agentes estatais. Essas recomendações são repetidas quase que cotidianamente pelos dirigentes dessas organizações, o que ao longo do tempo condiciona reflexos que balizam a conduta dos policiais. Levados por essas condições, alguns policiais se tornam extremamente legalistas, o que, por vezes, lhes dificultam agir em situações onde o bom senso supera a aplicação desses princípios.
Em 1982 ocorreu um fato na cidade de João Pessoa que ilustra bem esse confronto entre a conduta do legalista extremo e a necessidade de aplicação do bom senso. O protagonista foi um Tenente que prestava serviço na Companhia de Trânsito e que era tido como de conduta ilibada, honesto, vibrador, trabalhador, extremamente disciplinado e disciplinador e muito rigoroso na aplicação das regras de trânsito. Ele acabava de fazer um treinamento sobre a elaboração do Boletim de Acidente de Trânsito (BAT), o que era conhecido como perícia de acidentes e que era feito regulamente por um grupo de integrantes daquela Companhia.
Numa manhã de setembro daquele ano o Tenente foi convocado para uma ocorrência de tombamento de um veículo em frente ao Edifício dos Correios e Telégrafos, na Praça Pedro Américo, no centro da cidade. O fato de deu aproximadamente às seis horas da manhã. Uma Kombi ao sair da Avenida B. Rhoam para pegar a Avenida Guedes Pereira, derrapou e tombou no calçamento, no momento em que muitas pessoas por ali transitavam. Como é natural em situações dessa natureza, os transeuntes buscaram prestar auxílio imediato ao condutor do veículo, que, com muito esforço saiu pela porta do passageiro, que estava voltada para a parte de cima. Sofreu pequenas escoriações nos braços.
Um dos transeuntes notou que estava escorrendo um líquido no lado do tanque do veículo. De repente, cerca de dez pessoas começaram a suspender a lateral da Kombi para fazê-la voltar à sua posição normal, o que conseguiram sem muitos esforços. O vazamento do líquido parou.
Nesse momento o Tenente chegou ao local, com uma prancheta nas mãos e começou a colher informações sobre o fato, enquanto determinava ao seu motorista que acionasse a Guarnição de Plantão que era encarregada de elaborar o BAT para que ela comparecesse ao local. Quando o Tenente estava colhendo os dados do veículo, do condutor e arrolando testemunhas, foi informado como ocorreu o acidente e como as testemunhas desviraram o veículo.
- Como é? Desviraram o veículo? Pode não. Como é que vai ser feita a perícia? A lei diz que não se deve alterar o local do acidente. Disse o Tenente irritado com uma testemunha.
Resoluto e mesmo diante do protesto do condutor do veiculo e dos muitos curiosos que a esta altura tinham se deslocado ao local, o Tenente convocou algumas pessoas e com a sua ajuda e a do seu motorista, viraram a Kombi para deixá-la na mesma posição originário do acidente. A cena do acidente estava recomposta.
Pouco depois a Patrulha do BAT chegou ao local e, mesmo constrangida, fez o levantamento, com os policiais trocando risos irônicos.
No Quartel o Tenente tomou um esporro do Capitão. A admoestação foi feita em tom de gozação, o que era próprio daquele Comandante, que também era legalista, porém muito coerente.
Essa história chegou ao conhecimento dos amigos do Tenente, com versões cada vez mais hilárias, e serviu de gozação durante toda a carreira daquele Oficial. As alusões a esses fatos, sempre em tom de humor, eram feitas de forma sutil, pois o Tenente era conhecido como um homem valente e que não gostava de brincadeiras, o que era mais um incentivo às gozações.
Hoje isso seria buling. Mas a Lei foi cumprida.