Conflitos entre policiais civis e militares.

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O resgate do Tenente em Santa Luzia

                                                                          Geraldo Ramos de Souza

Acho que o ano foi 1989, num dia do mês de junho. Eu me achava de Oficial de Dia e ao mesmo tempo de Operações ao 3° BPM, quando por volta da meia-noite fui chamado para atender uma ligação do COPOM e, do outro lado da linha, era o Coordenador, à época Capitão Almir Fernandes ( eu era 1° Tenente).

Aquele Oficial me informou que em Santa Luzia estava havendo uma ocorrência em que o Delegado local teria prendido um suposto Tenente da PMPE e, me recomendou checar a veracidade e caso fosse confirmado eu tentasse resolver o problema com o cuidado necessário, preferencialmente acionando o Superintendente da Polícia Civil em Patos.

Em seguida fiz uma ligação para a residência do Superintendente e fui informado por sua esposa que ele teria ido para uma festa ou confraternização em um dos bairros da cidade e ainda não chegara em casa.

Como o meu motorista afirmou que conhecia o local, seguimos até lá. Entretanto ao chegarmos fui informado que ele já teria se ausentado. Resolvi então aguardar uns dez minutos e em seguida rumamos para o endereço do Superintendente onde este me recebeu e após eu relatar-lhe o que me levava até ali e pedir-lhe que intercedesse para que o cidadão preso fosse identificado e, caso se tratasse mesmo de um Oficial, fosse imediatamente posto em liberdade, ao passo que eu iria até lá para trazê-lo até Patos.

 O Superintendente me pediu para não ir, mas que ele iria resolver o problema e, na minha presença ligou para a Delegacia de Patos e determinou que o Delegado Plantonista se deslocasse incontinente à Santa Luzia e resolvesse o problema, liberando o preso se confirmado mesmo tratar-se de Oficial.

Em seguida me tranquilizou assumindo o compromisso de que a partir dali o incidente estaria resolvido e me pediu para não me deslocar ao local do fato, certamente temendo algum problema.

Diante disso, me dirigi ao Batalhão, em ato contínuo, efetuei uma ligação para o Destacamento e me dirigi ao Batalhão, onde liguei para o Capitão Fernandes e o coloquei a par dos fatos, no que aquele Oficial aprovou a maneira como procedi e apenas me recomendou para informar-lhe qualquer novidade.

A essa altura, já passava das duas e meia da madrugada e como o restante do serviço estava tranquilo, fui até ao alojamento e me deitei, imaginando descansar uns 20 minutos e retornar o contato com o Destacamento de Santa Luzia para saber o desfecho, sendo que, vencido pelo cansaço, peguei no sono.

  Por volta das três horas fui acordado pelo  Sargento Lairton da Companhia de Cajazeiras, o qual me indagou se eu estava sabendo de um problema que estava havendo em Santa Luzia, ao que eu respondi: “só se for outro por que o que eu tomara conhecimento mais cedo, envolvendo um Oficial de Pernambuco, já fora resolvido”.

Não, Tenente, retrucou o graduado, "eu acabo de passar por lá e o Tenente se encontra no xadrez. O Delegado lhe deu um banho de água fria e ainda ameaçou lhe dar uma surra de cipó de boi". Acrescentou ainda que o Delegado de Patos apenas passou por lá, mas não resolvera nada.

Diante disso, mandei chamar o meu motorista e passei a apertar os cadarços do coturno e ajustar o cinto, momento que o então 2° Tenente Epaminondas, que era laranjeira e dormia numa das camas próximas, acordou e me perguntou o que estava havendo, no que eu contei em rápidas palavras, e ele me perguntou como era o nome do Tenente, ao que eu respondi que era um tal de Ricardo.

 Ouvindo esse nome, Epaminondas disse: “é da minha turma Ramos, me aguarda que eu vou com você”, ao que eu retruquei que só se ele não demorasse posto que eu já estava de saída. Com a chegada do motorista, e Epaminondas já se aproximando, eu ainda resolvi ir à sala de comunicações da Unidade e efetuei uma ligação para o Superintendente, a quem tão logo atendeu, fui dizendo: “Doutor, eu só tô ligando para o Senhor, para que ligue para o Delegado de Santa Luzia e previna-o que não me crie dificuldade por que eu tô indo para lá, agora, para trazer o Tenente que ele prendeu”, O Superintendente se mostrando surpreso por aquela altura o fato não ter sido resolvido ainda me pediu calma e eu apenas repeti para ele ligar para o seu subordinado não colocar dificuldade para eu cumprir o meu intento e encerrei a ligação.

Chegando em Santa Luzia com o dia já começando a amanhecer, desembarcamos da Viatura no prédio onde funcionava o Destacamento e Delegacia, e o Soldado  de plantão da hora foi chamar o Sargento, enquanto eu me dirigi às celas e ao divisar um rapaz com as roupas encharcadas d'água numa delas, perguntei se ele era Tenente do BMPE, ao que ele chorando confirmou.

Neste momento chegou o Sargento Audálio, a quem perguntei pelo Delegado e ele respondeu que cerca de uma hora antes aquele sairá, provavelmente para sua casa.

Pedi que trouxesse as chaves das celas e o graduado respondeu que o Delegado levara consigo. Perguntei que ferramenta havia ali para abrirmos o cadeado e ele respondeu que havia uma chibanca. Mandei buscá-la e com essa ferramenta arrebentamos o cadeado e retornamos para Patos como Tenente, recomendando ao Sargento que avisasse ao Delegado  exatamente o que se passou e que se quisesse se queixar de alguma coisa eu estaria no Batalhão.

Chegando no 3° BPM, mandei aprontar um café reforçado para o Tenente enquanto ele tomava um banho e, durante o café ele me relatou como tudo se passara.

 Segundo ele, tinha vindo à Santa Luzia a convite de alguns amigos, com os quais se deslocava a pé em direção ao clube, onde pretendiam se divertir, quando em dado momento ele que andava no meio da rua, se afastou para dar passagem a um veículo que vinha à retaguarda deles e, o passageiro do dito veículo ao passar por eles dirigiu-lhes algum impropério e desembarcou em seguida indagando-lhes por que não deram passagem rapidamente.

 Dai surgiu uma discussão e em decorrência aquele cidadão deu voz de prisão e com a ajuda do outro ocupante do carro conduziu o Tenente à Delegacia aonde, mesmo o conduzido se identificando como militar, o Delegado o recolheu à cela e lhe impingiu uma série de humilhações.

Enquanto ouvia a narrativa do Tenente Ricardo um soldado veio me avisar que o Sub Comandante Geral estava querendo falar comigo ao telefone. Ao atender, aquele superior já foi me perguntando se eu soubera de um problema em Santa Luzia, ao que de pronto respondi que sim e que já tinha resolvido e, ao informar-lhe como, ele me parabenizou e me recomendou aguardar instruções por que ele ia informar ao Comandante Geral.

 Alguns minutos depois o próprio Comandante Geral me ligou e tal como o Sub Comandante me parabenizou e, após me garantir que me apoiaria em quaisquer circunstâncias acerca do desfecho daquele caso, me mandou pegar a melhor Viatura da Unidade, abastece-la e ir até a Cidade de Arco Verde-PE, onde o Sub Comandante Geral da PMPE estaria nos aguardando para receber o Tenente Ricardo.

Em ato contínuo, mandei o meu motorista pegar o Opala novo do Comandante da OPM e com o Tenente Ricardo, nos dirigimos até o posto de combustível que abastecia as Viaturas do Batalhão, e mandei o frentista encher o tanque.

 Quando já estava embarcando para iniciar a viagem, outro funcionário do posto gritou lá do escritório: “Tenente o telefonista do Batalhão quer falar com o Senhor, e diz que é urgente!. Ao atender a ligação, o Soldado Antônio, foi logo anunciando do outro lado da linha: “Tenente, o Juiz de Santa Luzia ligou agora e determinou que o Senhor fosse apresentar o preso a ele com urgência, antes que a coisa piore para o Senhor, por que dar fuga a preso é crime”.

 Em resposta, eu disse para Antônio exatamente assim: “Antônio liga de volta para o Juiz e diga a ele que eu já tinha saído há algum tempo e que você tentou, mas não conseguiu manter contato comigo pelo rádio.”

Sem perder mais tempo, rumamos para Arco Verde, onde entreguei o Tenente ao Senhor Sub Comandante Geral  da PMPE que nos aguardava e em seguida retornei para a cidade de Patos, onde fiz o meu relatório de serviço e dei por concluída a jornada.

Para finalizar, em rápidas palavras acrescento o seguinte:

- O delegado, para livrar sua barra e por alguma razão contando com o conluio do Sargento Audálio, argumentou ao Juiz que o Tenente o desacatara e por essa razão teria lhe dado voz de prisão e iniciado o flagrante delito, o qual precisara interromper para dar continuidade no dia seguinte, em razão do adiantado estado de embriaguez alcoólica do autuado, que em nenhum momento se identificara como militar. (O Tenente Ricardo asseverou e o Tenente Epaminondas confirmou que ele, Ricardo, não ingeria bebidas alcoólicas. Também é fato que o flagrante não foi iniciado pelo Delegado enquanto o Tenente esteve preso na Delegacia, bem como o Tenente se identificara sim, como militar que era);

- Quando a coisa começou a ficar ruim para mim, em razão de um Inquérito forjado e mentiroso, a cerca do incidente, o Comandante Geral ao ser procurado por mim, me aconselhou a procurar um advogado que não cobrasse muito e que de preferência fosse um dos nossos companheiros já na reserva, ao que eu retruquei que a situação requeria um bom advogado e que com conhecimento e bom trâmite no sertão;

- Sabedor dessa situação e preocupado em ajudar-me o amigo Coronel Rodrigues, então capitão, me acompanhou até Souza, onde me apresentou a um promissor e jovem advogado, seu amigo, de nome Dirceu Galvão, o qual em atenção a Rodrigues se comprometeu em patrocinar a minha defesa por um preço camarada, que foi pago pelo Comandante Geral;

- Na fase processual, certo dia o meu amigo Coronel Martins, então Capitão, após o expediente da Unidade chegou até mim e se expressou da seguinte maneira: “baixinho, vamos ali comigo!” Surpreso eu ainda perguntei para onde iríamos e ele apenas respondeu:’ se preocupe não. Não confia em mim não?”

- Sem titubear, entramos no carro particular de Martins e nos dirigimos à Santa Luzia onde seguimos diretamente para o Fórum e, lá chegando, Martins pediu a uma secretária para anuncia-lo ao Dr. Francisco Brasilino Leite e, pouco depois ingressamos no gabinete daquela autoridade judiciária a que Martins cumprimentou efusivamente por serem ambos maçons e amigos, e em seguida, apontando para mim, apresentou-me: este é o Tenente Ramos!.

- Ouvindo o meu nome o Juiz franziu a testa e começou a dizer: então este é... no que Martins interrompeu dizendo: sim, Doutor, este é o Tenente daquele incidente, mas ouça a versão dele, por que diferentemente daquele Delegado, esse é verdadeiramente um homem! Depois de uma proveitosa conversa saímos dali e retornamos para Patos e, para finalizar: tempos depois a  Ação foi julgada. Resultado: este Oficial foi absolvido e o Delegado proibido de trabalhar naquela Comarca por um prazo de cinco anos.

Aos meus amigos Rodrigues e Martins a minha eterna gratidão.

  Integrantes do Exército e da Polícia Militar em via de conflito em Catolé do Rocha  

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