Reivindicação salarial e a exoneração do Comandante da Polícia Militar da Paraíba, fatos ocorridos em 1949, decorreram de uma série de fatos políticos Esse é o tema que aqui vamos expor, de forma breve.
Introdução
O ano de 1949 marcou um episódio de grande relevância na história da Polícia Militar da Paraíba (PMPB). Uma reivindicação salarial apresentada por oficiais da corporação desencadeou uma crise político-militar que resultou na exoneração do então Comandante-Geral, Coronel Arnaldo Cabral de Vasconcelos, oficial do Exército. O movimento, embora motivado por questões legítimas de ordem remuneratória, acabou sendo instrumentalizado no jogo político estadual, revelando as tensões entre Governo e corporação.
O Contexto da Reivindicação
Em julho de 1949, cinquenta oficiais da PMPB — número correspondente a mais da metade do efetivo em atividade — subscreveram um memorial solicitando reajuste salarial.
A redação do memorial é atribuída ao Tenente-Coronel José Maurício da Costa, oficial de longa trajetória na corporação, que havia ocupado o comando em diferentes períodos. O estilo do texto guarda semelhança com outros escritos de sua autoria, reforçando a hipótese de que foi ele o responsável pela elaboração do documento. Além disso, sua posição de oficial mais antigo entre os signatários lhe conferia legitimidade para liderar o movimento.O embate político ampliou-se porque José Maurício era ligado ao PSD, enquanto o governador Osvaldo Trigueiro representava a União Democrática Nacional (UDN). A divulgação integral do memorial no Diário Oficial da Assembleia e no jornal A União — veículo oficial do governo estadual, Edição de 18 de julho de 1949 — acabou transformando a reivindicação salarial em instrumento de disputa político-partidária.
A Atuação de João Lélis
O documento foi encaminhado à Assembleia Legislativa, por intermédio do deputado João Lélis, do Partido Social Democrático (PSD), que mantinha estreita relação com a Polícia Militar desde a Campanha de Princesa (1930), quando atuara como correspondente do jornal A União. Esse trabalho de João Lélis resultou na publicação do livro A Campanha de Princesa, a obra que melhor retrada esse aconteimento. Além de sua ligação histórica com a Polícia Militar, ele era, desde 1949, membro de uma comissão parlamentar destinada a estudar propostas de reajuste para o funcionalismo público. Ademais, Lélis possuía prestígio junto aos militares por sua participação como oficial comissionado em um batalhão provisório da PMPB durante a Revolução Constitucionalista de 1932, razão pela qual fora condecorado como Oficial Honorário da corporação.
A Crise Política
A publicação do memorial desencadeou forte reação do governo estadual. O governador enviou ao comandante da PMPB, Coronel Arnaldo Cabral de Vasconcelos, um ofício em tom enérgico, cobrando explicações. O coronel respondeu no mesmo diapasão e, diante da situação, apresentou pedido de exoneração, não aceito de imediato pelo chefe do Executivo.
O episódio ganhou novos contornos dias depois, com a fuga do Tenente Serpa, preso no quartel sob acusação de crime de grande repercussão. A oposição explorou politicamente o caso, e o governo voltou a responsabilizar o comandante. Embora o oficial fugitivo tenha sido posteriormente reincluído, absolvido e até promovido, o desgaste político foi irreversível.
A Exoneração do Comandante
Em setembro de 1949, o Coronel Arnaldo Cabral de Vasconcelos pediu novamente exoneração, desta vez aceita. Na ocasião, o Comandante fez publicar no Boletim da PMPB uma nota de despedida, em que denunciava interferências políticas na corporação e declarava-se sacrificado por haver resistido às pressões governamentais. O comando foi transferido ao seu substituto legal, o Tenente-Coronel Elias Fernandes. (Mais adiante publicamos essa nota)
O Memorial dos Oficiais
O documento que deu origem à crise foi publicado em A União no dia 19 de julho de 1949, e que na sua essência constituia uma reivincidação salarial noqual os oficiais relatavam a situação de penúria em que viviam devido aos baixos vencimentos e apelavam ao Poder Legislativo para corrigir o que consideravam uma “injustiça” contra aqueles que dedicavam suas vidas à manutenção da ordem e da segurança pública. (Mais adiante transcrevemos esse documento.)
O memorial defendia que a melhoria salarial não representava uma benesse, mas sim uma reparação justa e inadiável, necessária para preservar a dignidade dos militares estaduais e a eficiência institucional da corporação.
Considerações Finais
A reivindicação de 1949 não pode ser compreendida apenas como um movimento salarial. Ela evidenciou as tensões entre a Polícia Militar da Paraíba e o governo estadual, inserindo-se no quadro mais amplo da disputa política entre PSD e UDN. O episódio resultou na queda de um comandante do Exército que, ao tentar resguardar a autonomia da corporação diante das pressões partidárias, acabou sendo afastado.
Mais do que uma crise administrativa, tratou-se de um momento em que se cruzaram interesses políticos, corporativos e pessoais, deixando marcas profundas na história da Polícia Militar da Paraíba.
Ao deixar o Comando o Coronel José Arnaldo Cabral de Vasconcelos, fez publicar no Boletim a nota que a seguir se transcreve.
Passagem de Comando – De há muito venho sentindo o incômodo que causa ao Governo a minha permanência no Comando da Polícia Militar, isto pelo empenho com que tenho defendido esta Corporação da intromissão indébita nas cousas da Polícia Militar e ainda mais pela resistência feita por mim a pedidos nominais de Soldados e Sargentos indicados por políticos do interior para utilizá-los certamente em função que não a policial. Este incômodo culminou por causa de cousas políticas, quando os Oficiais dirigiram um memorial ao Dr. João Lélis pedindo-lhe o apoio ao projeto de aumento de vencimentos. Por essa ocasião recebi um ofício enérgico do Exmo. Governador, e respondi-lhe no mesmo diapasão e pedi a minha exoneração. Não lhe convinha a exoneração naquela época porque acarretaria as antipatias para si. Mandou-me implorar por emissários que retirasse o pedido. Ficou na tocaia até que a oportunidade apareceu: a celeuma creada com a fuga do Tenente Serpa. Aproveitou-se da opinião pública mal informada e o leader do partido Governamental na sessão doa dia 22 apontou o caminho que deveria seguir o Comando da Polícia Militar. Esperei até hoje que o Governo retificasse o referido discurso, não o fez, portanto, se não insinuou, aprovou.
Em face do exposto deixo o Comando da Polícia Militar, passando-o ao meu substituto legal, o Tenente Coronel Elias Fernandes, com a consciência tranquila, certo de que fui sacrificado devido ao interesse em favor desta gloriosa corporação e dos caros camaradas. Aos Oficiais, Subtenentes, Sargentos, Cabos e Soldados minhas despedidas e agradecimentos pela leal cooperação.
Assinado – José Arnaldo Cabral de Vasconcelos – Comandante Geral - 24/09/1949
Como se depreende, a reivindicação salarial de 1949, foi uma fator decisivo para a exoneraação do Coronel Arnaldo Cabral, do Comando de PM/PB.
O documento em que os Oficiais pediram melhoria salarial tinha, em síntese, o seguinte texto, publicado no Jornal A União do dia 19 de julho de 1949.
Memorial - Enviado ao Deputado João Lélis por vários oficiais da Polícia Militar do Estado.
Exmo. Sr. Deputado Dr. João Lélis de Luna Freire
Assembleia Legislativa da Paraíba – João Pessoa
Os Oficiais da Polícia Militar do Estado, que esta subscrevem, têm a honra de, pela sua pessoa, levar ao conhecimento da Assembleia Legislativa o presente Memorial, em que vêm expor e reclamar providências sobre a grave situação porque passam, em face do insignificante padrão de vencimentos que atualmente percebem.
É forçoso reconhecer que os estudos e serviços da Polícia Militar caminham na ordem das instituições em que estão presentes a fé e o civismo, sustentáculos da Pátria, não podendo os seus quadros permanecer relegados a uma situação vexatória, incompatível com as tradições de disciplina e sacrifício que lhe são inerentes. A dedicação dos oficiais tem sido constante, e nem por isso lograram até hoje a devida recompensa material, em condições de viver condignamente, dentro dos preceitos de moral e dignidade que se exigem de todo servidor público.
Em 1946, por exemplo, já se fazia sentir a necessidade de melhoria dos vencimentos de todos os oficiais da corporação; entretanto, passados três anos, tal providência ainda não se concretizou, agravando a penúria em que nos debatemos.
É por isso que nos dirigimos ao Poder Legislativo, invocando os sagrados direitos que nos assistem, e pedindo que se digne amparar, em definitivo, a nossa corporação, pela elevação de seus padrões remuneratórios, a fim de que possamos viver sem os sacrifícios humilhantes a que vimos sendo submetidos.
Não se trata de uma benesse, mas de uma justa e equitativa reparação que deve ser feita àqueles que dedicam a vida em prol da ordem e da segurança do Estado.
Assim, confiando no elevado espírito de justiça que norteia os trabalhos desta Augusta Casa, vimos pleitear, por intermédio de V. Excia., a reparação que se nos afigura legítima e inadiável, certos de que a Assembleia Legislativa não deixará de reconhecer o valor e a utilidade dos serviços que prestamos ao Estado.
É o que expõem e requerem os abaixo-assinados.
Signatários - Lista de Oficiais Signatários do Manifesto (1949)
Tenente-Coronel
- José Maurício da Costa
Majores
- Cícero Bernardino de Souza
- José Carlos de Medeiros
- Sebastião Gomes de Farias
- Antônio Fernandes Diniz
Capitães
- Pedro Batista de Almeida
- Francisco das Chagas Vasconcelos
- João Alves de Carvalho
- João Florentino da Silva
- Antônio Correa Brasil
- Ademar Nogueira
- Manoel Coriolano Ramalho
- Pedro Gonzaga de Lima
- Edson Villar (Médico)
- João de Souza Rolim
- José Casió do Rego
- Archimedes de Oliveira
- Manoel João da Silva
- Clodoaldo Nóbrega
1º Tenentes
- Ezinato Pedrosa
- Baptista Aúlio Rotta
- Luiz Gonzaga de Lima
- João Moura de Andrade
- José da Mata Silveira
Pedro Maciel dos Santos
2º Tenentes
- Oton Nunes de Lima
- Severino Amim Pontes
- Antônio Soares de Farias
- Ascânio Clementino de Araújo
- Rafael Manoel dos Santos
- Joaquim Pedro dos Santos
- Clodoaldo Monteiro da Franca
- Francisco de Assis Veloso
- Severino Farias Viana
- João Gadelha de Melo
- Severino Dias da Silva
- José Batista Gomes
- Raul Geraldo de Oliveira
- José Juvêncio de Almeida
- Adauto Cajueiro
- Severino Dias Souza
- José Félix da Silva
- José Berlamino Felinto Filho
- Airton Nunes da Silva
- Albertino Francisco dos Santos
- Luiz Ferreira Barros
- Caetano Júlio
- Elias Fernandes
- Severino Dias Nóbrega
Aspirantes a Oficial
- José Faustino
Veja também
Os Comandantes da PM da Paraíba durante o Governo de Osvaldo Trigueiro

Excelente artigo que enriquece os anais da história da nossa briosa polícia militar da Paraíba!
Obrigado Inácio. Fico honrado com a sua atenção